Kintarō (金太郎) A Lenda do Menino de Ouro Japonês

Kintarō, conhecido como o “Menino de ouro” é um dos maiores heróis do folclore japonês. Uma criança de força extraordinária obrigada a crescer na sombria floresta de Ashigara. Para sobreviver, o menino se tornou amigo dos animais, aprendendo sua língua. Ao se tornar adulto transformou-se num grande samurai, aclamado como um dos mais valentes do antigo Japão.

A lenda de Kintarō é supostamente baseada em uma pessoa real, Sakata Kintoki, notável guerreiro que viveu durante o período Heian em Kyoto, a antiga capital nipônica.

Extremamente popular na Terra do Sol Nascente, sua imagem adorna de tudo, desde esculturas até livros de histórias, anime e mangá. No país, todos os anos no Dia dos meninos (Kodomo-no-Hi), é costume presentear as crianças com um boneco do Kintarō para que se tornem tão destemidos quanto seu herói.

Kintarō: A Lenda

Há um longo, longo tempo atrás viveu em Kyoto um bravo samurai chamado Kintoki. O valente guerreiro apaixonou-se por uma bela dama da corte desposando-a. Não muito tempo depois, traído por  alguns de seus amigos, Kintoki caiu em desgraça na Corte. Este infortúnio cravou tão profundamente em sua alma, que o guerreiro não sobreviveu a vergonha, deixando para trás sua jovem esposa para enfrentar o mundo sozinha. Temendo os inimigos de seu marido, a mulher fugiu para as sombrias Montanhas de Ashigara. Lá, na distante e solitária floresta, onde ninguém aparecia, exceto esporádicos lenhadores, um vigoroso menino nasceu. Ela o chamou de Kintarō o “Menino Dourado”. Kintarō era uma criança de força extraordinária, que cresceu e cresceu rapidamente, de forma sobre-humana.

Dentro da espessa floresta, o menino a cada dia tornava-se mais forte, tanto que, aos oito anos de idade, era capaz de cortar árvores tão rapidamente quanto os lenhadores. Sua mãe percebendo, confeccionou e lhe presenteou com uma machadinha especial. A partir de então, todos os dias, Kintaro costumava sair na floresta e ajudar os homens no trabalho. Estes, impressionados com sua força, o chamavam de “Menino maravilha”, e a sua mãe de “Senhora das Montanhas”, no entanto, muitos a conheciam por Yama-uba(bruxa da floresta). Outro passatempo favorito do robusto menino era esmagar pedras e mais pedras, tamanha era sua força. Mas muito além de sua força, o menino era reconhecido por sua bravura e bondade.

Muito diferente de outros meninos, Kintarō, cresceu sozinho nas montanhas selvagens, e como quase não tinha companheiros, fez amizade com todos os animais. Aprendeu a compreendê-los e a falar a sua língua. Pouco a pouco, todos ao seu redor cresceram, os animais, mansos o bastante, olhavam para Kintaro como seu mestre. O jovem menino os usou como seus servos e mensageiros. Mas seus amigos especiais eram o urso, o cervo, o macaco e a lebre.

O grande urso muitas vezes levou seus filhotes para brincar com Kintarō, em outras vezes, o menino foi para sua caverna. Ele também gostava muito do ágil cervo e, inúmeras vezes, brincava, colocando seus braços ao redor do pescoço do animal para mostrar que seus longos chifres não o assustavam. Estes foram bons tempos de diversão para todos na floresta.

Certo dia, como de costume, Kintaro subiu às montanhas, seguido pelo urso, o veado, o macaco e a lebre. Depois de caminhar por algum tempo até a colina sobre estradas ásperas, de repente, se depararam com uma planície larga e gramada coberta por flores selvagens.

A planície era um lugar agradável onde podiam ter uma boa brincadeira juntos. O cervo esfregou seus chifres contra uma árvore por puro prazer, o macaco coçou suas costas, a lebre alisou suas longas orelhas, e o urso deu um grunhido de satisfação.

Kintarō disse: — Aqui está um excelente lugar para um jogo. O que todos me dizem de jogarmos um bom combate? O urso sendo o maior e o mais velho, respondeu para os outros: — Isso vai ser muito divertido! Sou o animal mais forte, vou fazer a plataforma para os lutadores. Rapidamente, começou a trabalhar com vontade de cavar a terra e dar-lhe forma.

— Tudo bem, disse Kintarō, vou olhar enquanto vocês lutam uns com os outros. E darei um prêmio para quem ganhar em cada rodada.

— Que diversão! Todos nós tentaremos obter o prêmio, disse animado o urso. O cervo, o macaco e a lebre se puseram a trabalhar para ajudar o urso a erguer o ringue sobre o qual iriam jogar. Quando terminaram, Kintarō gritou:

— Agora comecem! O macaco e a lebre abrirão os esportes e o cervo será o árbitro. Agora, Senhor Cervo, faça as honras! Eu serei o juiz. Agora, Senhor Macaco e Senhor Lebre, se estiverem prontos, por favor, saiam e tomem seus lugares.

Então o macaco e a lebre saltaram rápidos e agilmente, para a plataforma de luta. O cervo, como árbitro, ficou entre os dois e gritou: — Vocês estão prontos?

Ambos os lutadores pequenos enfrentaram-se quando o veado levantou uma folha no alto como o sinal. Quando deixou cair a folha, o macaco e a lebre correram um para o outro, gritando “Yoisho, yoisho!”

Após a divertida luta entre os amigos, Kintarō abriu sua caixa de almoço e distribuiu seus bolinhos de arroz.

Depois de caminhar certa distância de volta para casa, saíram às margens de um rio que fluía através de um vale. O menino e seus quatro amigos peludos olharam em busca de algum meio de cruzar. Não havia nenhuma ponte. Todos os animais pareciam sérios, imaginando como poderiam atravessar o riacho e chegar a casa naquela noite. Kintarō, no entanto, disse: — Esperem um momento. Vou fazer uma boa ponte para todos vocês em poucos minutos.

O urso, o cervo, o macaco e a lebre olharam curiosos para ver o que ele iria fazer.

Kintarō passou de uma árvore para a outra que crescia ao longo da margem do rio. Por fim, parou diante de uma muito grande que crescia à beira da água. Ele segurou-a e puxou com toda a força, uma, duas, três vezes! No terceiro puxão, a força foi tão grande que as raízes soltaram, derrubando a árvore, formando uma excelente ponte sobre o córrego.

— Olhem, disse Kintarō. — O que acham da minha ponte? É bastante segura, podem me seguir, e partiu primeiro. Os quatro animais o seguiram. Nunca tinham visto alguém tão forte antes, todos exclamaram: — Como ele é forte! Como ele é forte!

Enquanto tudo isso acontecia ao lado do rio, um lenhador, que por acaso estava de pé sobre uma rocha com vista para a água, tinha visto tudo o que se passava. Ele assistiu com grande surpresa o menino e seus companheiros animais. O homem esfregou os olhos para ter certeza de que não estava sonhando quando viu um garoto puxar uma árvore pelas raízes e jogá-la através do rio.

O lenhador ficou maravilhado com tudo o que viu e disse a si mesmo:

“Esta não é uma criança comum. De quem pode ser filho? Descobrirei antes que este dia esteja acabado.”

Pensando nisso, se apressou após terminar a estranha festa, atravessando a ponte atrás do inusitado grupo. O jovem Kintarō de nada suspeitou, e pouco adivinhava que estava sendo seguido. Ao chegar ao outro lado do rio, separou-se dos animais que seguiram para suas casas no bosque, e ele para sua mãe, que o estava esperando.

Assim que entrou na casa da floresta, que se erguia como uma caixa de fósforos no meio dos pinheiros, o jovem foi cumprimentar sua mãe, dizendo: — Okkasan (mãe), aqui estou!

— Ó, Kimbo! Disse a mãe com um sorriso brilhante, feliz por ver seu filho em casa depois do longo dia: — Quão tarde retornou hoje. Temia que algo tivesse acontecido. Onde esteve esse tempo todo?

— Levei meus quatro amigos, o urso, o cervo, o macaco e a lebre, até as colinas, e lá os fiz tentar uma luta para ver qual era o mais forte. Todos nós apreciamos muito o jogo, e estamos indo para o mesmo lugar amanhã.

— Agora me diga quem é o mais forte de todos? Perguntou a mãe, fingindo não saber. — Oh, mãe! Exclamou Kintarō — Não sabe que sou o mais forte? Não havia necessidade de lutar com nenhum deles.

— Mas ao seu lado, quem é o mais forte? — O urso fica ao meu lado em força, respondeu orgulhoso o menino.

— E depois do urso? Perguntou divertidamente a mãe.  — Ao lado do urso, não é fácil dizer qual é o mais forte, pois o veado, o macaco e a lebre parecem ser tão fortes tanto um, quanto aos outros, respondeu o menino.

De repente, Kintarō e sua mãe ficaram assustados, uma estranha voz surgiu de fora.

— Ouça-me, menino! Da próxima vez que for, leve esse velho com você para a partida de luta livre. Gostaria muito de participar do esporte também!

Era o velho lenhador que tinha seguido Kintarō desde o rio. O homem curvando-se em reverência tirou os sapatos e entrou na casa. A mãe e seu filho foram pegos de surpresa. Olharam admirados para o intruso, e viram que era alguém que nunca tinham visto antes.

— Quem é você? – exclamaram os dois. O lenhador riu e disse: — Não importa quem seja ainda, mas vamos ver quem tem o braço mais forte, este bravo menino ou eu?

Kintarō, que tinha vivido toda sua vida na floresta, respondeu ao estranho sem qualquer cerimônia: — Teremos uma tentativa, se quiser, mas não deve ficar zangado seja quem for o derrotado.

Então, o menino e o lenhador, ambos estenderam os braços e seguraram as mãos um do outro. Durante muito tempo Kintarō e o homem permaneceram desta maneira, cada um tentando dobrar o braço do outro, mas o velho lenhador também era muito forte, e o par estranho se igualou em força. Por fim, o homem desistiu, declarando que era só um jogo.

— Você é, de fato, uma criança muito forte! Há poucos homens que possam se gabar da força do meu braço direito. Disse o lenhador. — Eu o vi antes nas margens do rio há algumas horas, quando arrancou uma grande árvore para fazer uma ponte através da torrente. Mal capaz de acreditar, segui-te para esta casa. Sua força de braço, que acabei de experimentar, prova o que presenciei esta tarde. Quando for adulto, certamente será o homem mais forte de todo o Japão! É uma pena que viva escondido nestas montanhas selvagens.

Então se virou para a mãe de Kintarō: — E a senhora, não pensa em levar seu filho para a Capital e ensinar-lhe a carregar uma espada como convém a um bravo guerreiro?

— O senhor é muito gentil em ter tanto interesse em meu filho, respondeu a mãe desconfiada; — Mas ele é como vê, selvagem e sem instrução, e temo que seja muito difícil fazer o que diz. Por causa de sua grande força, quando criança, escondi-o nesta parte do país, pois temia que ferisse quem se aproximasse. Muitas vezes desejei ver meu filho um nobre cavaleiro, mas receio que minha esperança nunca se realize.

— Não precisa se preocupar com isso! Para dizer a verdade, não sou um lenhador. Sou um dos grandes generais do Japão. Meu nome é Sadamitsu, vassalo do poderoso Lorde Minamoto-no-Raiko. Meu senhor ordenou que fosse pelo país a procura de jovens que pudessem ser treinados como soldados para seu exército. Pensei que poderia fazer isso melhor assumindo o disfarce de um lenhador. Por sorte, inesperadamente, me deparei com seu filho. Agora, se realmente deseja que ele se torne um guerreiro, vou levá-lo e apresentá-lo ao Senhor Raiko como um forte candidato para a vaga. O que me diz sobre isso?

Como o velho homem gradualmente desdobrou seu plano, o coração da mãe foi preenchido com uma grande alegria. Ela viu que havia uma grande chance do único desejo de sua vida ser cumprido; a de ver seu vigoroso Kintaro se transformar, assim como seu pai antes de morrer, num valoroso samurai.

Inclinando humildemente sua cabeça para o chão, ela respondeu: — Vou confiar-lhe meu filho, se realmente cumprir o que diz.

Kintarō tinha estado todo esse tempo sentado ao lado de sua mãe, ouvindo o que diziam. Quando terminou de falar, exclamou:  — Oh, alegria! Alegria! Devo ir com o general e um dia serei um grande samurai!

Assim, o destino de Kintarō foi decidido, e o general resolveu partir para a capital imediatamente, levando o “menino de ouro” consigo. Yama-uba estava triste ao  despedir-se de seu filho, pois ele era tudo o que lhe restava. Mas resolveu, como é costume no Japão, esconder seu pesar com um rosto forte. A mãe sabia que era para o bem de seu filho, deveria deixá-lo ir, não deveria desencorajá-lo exatamente nessa hora. O menino prometeu nunca esquecê-la, e disse que assim que fosse um cavaleiro do Império, iria construir uma casa e cuidar dela em sua velhice.

Todos os animais, aqueles que Kintarō tinha domesticado o urso, o veado, o macaco e a lebre, assim que descobriram que o menino estava indo embora, correram perguntar se poderiam lhe servir como de costume. Quando souberam que estava partindo para sempre, o seguiram até o pé da montanha para vê-lo partir.

Kimbo, disse sua mãe, seja sempre um bom menino!

— Mestre Kintarō, disseram os animais fiéis. — Desejamos-lhe boa saúde em sua jornada. Então, todos subiram em uma árvore para o último adeus, e daquela altura viram sua sombra gradualmente desaparecer na floresta, até o perder de vista.

O general Sadamitsu seguiu seu caminho regozijando-se por ter encontrado tão inesperadamente um prodígio como Kintarō.

Tendo chegado a seu destino, levou o menino incomum ao seu Senhor, Minamoto-no-Raiko, contando-lhe tudo sobre como havia encontrado o jovem. Lord Raiko ficou encantado com a história, ordenando que Kintarō fosse imediatamente feito um de seus vassalos pessoais.

Naquela época, era famoso o exército de Lord Raiko, seus melhores soldados eram chamados de “Os Quatro Bravos”. Foram escolhidos por ele mesmo entre os mais fortes e valentes entre seus guerreiros. A pequena e bem escolhida escolta foi distinguida em todo o Japão pela coragem intrépida de seus homens.

 

Quando Kintarō cresceu para ser um homem, seu mestre fez dele o Chefe dos “Quatro Bravos”. Ele era, de longe, o mais forte de todos os guerreiros. Pouco tempo após sua condecoração, foi trazida à cidade a notícia que um monstro canibal estava atacando não muito longe, apavorando as pessoas no local. Lord Raiko ordenou Kintarō para a missão. Ele imediatamente partiu encantado com a perspectiva de testar sua espada.

Surpreendendo o monstro em sua toca, o jovem guerreiro teve um curto trabalho em cortar sua grande cabeça, que levou de volta em triunfo ao seu mestre.

Muitas outras façanhas se sucederam. Kintarō  pode enfim mostrar sua força, tornando-se o maior herói de seu país. Grande era o poder, honra e riqueza que o jovem conquistara. O “menino de ouro” manteve sua promessa, construiu um lar confortável para sua velha mãe, que viveu feliz com ele na Capital até o fim de seus dias.